No cenário atual de combate às mudanças climáticas, o crédito de carbono desponta como uma possibilidade para compensar as emissões de gases de efeito estufa ao redor do mundo. Em uma iniciativa promissora, o Sindicato Rural e a Associação de Meio Ambiente assinaram um termo de intenções na Câmara de Vereadores de Ilhéus, no dia 13/06/2023. O objetivo é tornar viável esse mercado na região Sul da Bahia, com destaque para a lavoura cacaueira, utilizando como modelo de negócios a prática da cabruca e a preservação da mata atlântica.
Um artigo escrito pela advogada Ana Matilde Hora traz reflexões importantes sobre o atual cenário, considerando a expectativa gerada em torno dessa iniciativa e a ausência de regulamentação devidamente estabelecida. O atraso na aprovação das medidas necessárias no Congresso Nacional gera cautela nesse momento.
Ana Matilde Hora, advogada associada ao escritório Vinícius Briglia Pinto Advocacia, é formada pela Faculdade de Ilhéus e atua nas áreas de direito de família, direito do consumidor, direito civil e agronegócio. Além disso, possui pós-graduação em prática cível, trabalhista e previdenciária.
MERCADO DE CARBONO NA LAVOURA CACAUEIRA
Por Ana Matilde Hora
O crédito de carbono é um conceito que surgiu em 1997, dentro do Protocolo de Kyoto e tem como principal objetivo, reduzir a emissão dos gases do efeito estufa no planeta para combater as mudanças climáticas.
Ficou estabelecido que, entre 2008 e 2012, os países desenvolvidos deveriam reduzir 5,2% (em média) das emissões de gases do efeito estufa em relação aos níveis medidos em 1990.
Apesar da meta de redução ser coletiva, cada país obteve metas individuais mais altas ou mais baixas de acordo com o seu estágio de desenvolvimento.
O tratado é baseado no principio de responsabilidade comuns, mas diferenciadas e por isso, a obrigação de reduzir as emissões em países desenvolvidos é maior porque, historicamente, eles são mais responsáveis pela concentração atuais de gases do efeito estufa emitidos na atmosfera.
Ficou determinado ainda, que a redução das emissões passam a ter valor econômico. Uma tonelada de dióxido de carbono corresponde a um crédito de carbono. Este crédito pode ser negociado no mercado internacional. A redução da emissão de outros gases igualmente geradores do efeito estufa também pode ser convertida em créditos de carbono, utilizando-se o conceito de carbono equivalente.
Em 2015 ocorreu o Acordo de Paris, que reuniu 195 países, e teve como principal objetivo a redução das emissões de gases de efeito estufa. O Brasil assinou o acordo, comprometendo-se a reduzir suas emissões de gases em 43% até 2030 e recuperar 12 mil hectares de florestas.
Entretanto, o Brasil está muito atrasado na comercialização do mercado de créditos de carbono, uma vez que ainda não possui regulamentação para esse tipo de negociação. As transações ocorrem em um mercado voluntário, ou seja, os créditos são auditados por entidades independentes.
O mercado regulado e voluntário possuem diferenças entre si. Um das principais é que os créditos gerados ou comprados de maneira voluntária não são contabilizados na meta de redução para os países que fazem parte do acordo internacional. Outro ponto é a precificação do crédito, uma vez que os preços do mercado de carbono voluntário são mais altos comprados ao regulado, segundo a sustanaible Carbon, consultora ambiental.
Como consequência, as empresas não possuem metas de redução de emissão dos gases e com isso, são emitidos créditos abaixo da capacidade nacional, o que gera menos dinheiro e menor responsabilidade na proteção ambiental.
Com a entrada em vigor recentemente da Lei 14.590/23, que mudou regras da gestão de florestas públicas por concessão, para ampliar as possibilidades de exploração da área pelo concessionário, permitindo o comércio de crédito de carbono. Trata-se de um avanço, sem dúvidas, mas ainda estamos distantes de uma verdadeira regulamentação.
Entre os grandes desafios para a regulamentação, estão a definição da natureza jurídica, questões tributarias e a abordagem de pontos cruciais como a liquidez, o esquema de governança e a segurança jurídica do mercado do crédito do carbono, uma vez que ainda não tem a definição
Apesar do cenário promissor, a realidade demonstra que o mercado enfrenta barreiras técnicas, políticas e econômicas. Se bem regulado, o mercado de créditos de carbono pode ter impacto relevante na busca por economia mais sustentável e meio ambiente mais equilibrado e saudável.
Na busca pela tal almejada regulamentação, atualmente, tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que regulamenta o mercado de redução de emissões de gases de efeito estufa, com metas obrigatórias. O PL já possui muitas emendas, de modo que ainda não dá para se ter uma noção de como será aprovado, gerando bastante insegurança jurídica.
Um mercado regulado é muito benéfico para a economia, uma vez que estimula a negociação, incentivando a competitividade, não sobrecarregando a carga tributária, para que esses objetivos sejam alcançados, o setor precisa de ações práticas por parte do governo, visando o incentivo a iniciativas sustentáveis.
A nossa região possui um enorme potencial para se beneficiar do mercado de crédito de carbono. Um estudo demonstrou que o cultivo de cacau sob a sombra das árvores da mata atlântica no sul da Bahia, conhecida como cabruca, promove a conservação do ambiente natural da região. Para os pesquisadores, a cabruca é capaz de estocar, em média, 66 toneladas de carbono por hectare.
Portanto, é evidente a importância para o meio ambiente que ocorra a redução da emissão dos gases do efeito estufa e a criação do mercado de crédito de carbono tornou-se um boa alternativa, inclusive podendo ter reflexo positivo também nas finanças. Segundo o Ministério da Economia, com a regulação, o mercado de carbono pode gerar mais de US$ 100 bilhões para o Brasil até 2030.
Na nossa região cacaueira, os produtores rurais podem ser bastante beneficiados com a comercialização do crédito do carbono, uma vez que essa prática vem se mostrando como uma excelente alternativa para o incremento da economia, além da inegável contribuição para um meio ambiente mais equilibrado, entretanto, faz-se necessária certa cautela, uma vez que essa prática ainda não está regulamentada no nosso país.
Ana Matilde Hora é advogada associada ao escritório Vinícius Briglia Pinto Advocacia. Formou-se pela Faculdade de Ilhéus e desenvolve atividade na advocacia nas áreas de direito de família, direito do consumidor, cível e agronegócio. Possui pós-graduação em prática cível, trabalhista e previdenciária.